A romantização da relação entre empregador e colaborador precisa acabar. Urgente. O mercado de trabalho não é uma extensão da sala de jantar e empresa não é lar. Mas, por algum motivo, sempre que se fala isso, surge um exército de gente dizendo que “o ambiente tem que ser acolhedor”, que “tem que ter amor e gentileza”, como se dizer que empresa não é família significasse automaticamente que os colaboradores devem ser tratados com frieza e desprezo. Não significa. Significa apenas que é preciso parar de confundir as coisas.
Vamos ser realistas: você pode demitir sua mãe porque ela não te deu carinho suficiente como está no “contrato de mãe e filho”? Pode mandar seu irmão embora porque ele não bateu a meta do mês de manter o segredo compartilhado? Pode substituir seu filho porque ele não tirou nota boa na escola? Não. Família é incondicional. Trabalho, não. E aí está a diferença que muita gente parece ignorar.
Quando uma empresa começa a tratar colaboradores como família, ela abre uma porta perigosa para dois cenários igualmente problemáticos. No primeiro, os colaboradores passam a acreditar que têm direitos que vão além do contrato de trabalho, mas esquecem que também possuem deveres. Criam-se laços emocionais que fazem com que as cobranças sejam vistas como ataques pessoais. O “chefe” vira um pai, uma mãe, uma irmã mais velha, alguém que “precisa entender” as falhas, os atrasos, os erros e as justificativas infinitas. O comprometimento deixa de ser profissional e passa a ser emocional.
No segundo cenário, quem se prejudica é o próprio colaborador. Porque, quando a empresa vende a ilusão de que ele faz parte de uma grande família, espera dele uma lealdade irrestrita. A cobrança ultrapassa os limites do contrato e se torna quase afetiva. Ele precisa se doar, precisa vestir a camisa, precisa aceitar sacrifícios, precisa trabalhar além do horário sem reclamar, precisa aceitar mudanças que não foram acordadas, precisa estar sempre pronto para tudo porque “aqui somos todos uma família e precisamos uns dos outros”. Mas quando ele já não serve mais, quando não performa como esperado, essa “família” não hesita em demitir. E o que sobra? Nada.
E é exatamente isso que foi dito em um vídeo que viralizou e que, por algum motivo, algumas pessoas interpretaram como crueldade. O que foi dito não é sobre destratar colaboradores, mas sobre entender que uma empresa precisa ser um ambiente de crescimento, resultado e profissionalismo. Um colaborador deve ser tratado com respeito, valorização e reconhecimento, sim. Mas isso não significa confundir profissionalismo com vínculo familiar.
A empresa pode, e deve, criar um ambiente saudável, leve, humano, onde as pessoas gostem de estar. Afinal de contas, passamos a maior parte da vida no ambiente de trabalho. O empregador pode, e deve, ter empatia, compreender momentos difíceis, auxiliar em situações que estejam ao seu alcance. Mas isso não significa que empresa e família sejam sinônimos. Porque, ao contrário do que muitos querem acreditar, um ambiente corporativo equilibrado não nasce do excesso de envolvimento emocional, e sim de uma cultura clara, onde direitos e deveres são respeitados dos dois lados.
Um colaborador pode ser demitido. Uma empresa pode ser demitida. Essa é a relação real. Se a empresa não entrega o que foi prometido, o colaborador vai embora. Se o colaborador não entrega o que foi acordado, ele é desligado. E isso não tem nada de errado, de cruel ou de insensível. O que tem de errado é a falsa sensação de pertencimento eterno, que depois se transforma em ressentimento quando as coisas não saem como esperado.
Não há problema em liderar com empatia. Não há problema em ter uma cultura de gentileza. Mas há um problema gigantesco em vender uma ideia que, na prática, nunca se concretiza. E o que foi dito, e que gerou toda essa discussão, é apenas o óbvio: empresa não é casa, trabalho não é laço de sangue e colaborador não é irmão.
Porque, no final das contas, quando um colaborador deixa de entregar o que foi combinado, ele não perde um sobrenome. Ele perde um contrato. E isso faz toda a diferença.
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