Como manter a saúde mental diante do sentimento de impotência em tempos de mudanças climáticas e destruição da natureza, considerando que a maioria das ações que debilitam o planeta não são tomadas por civis, mas por governos e grandes corporações? “Essa é uma boa pergunta especialmente para nós, americanos consternados pela escolha do novo presidente”, diz a empresária e ativista Maria Rodale, ex-CEO da editora Rodale Inc, de conteúdo sobre saúde e bem-estar.
Votando, é a sua resposta. “Veja a área ao nosso redor como uma oportunidade de criar o mundo em que queremos viver. Envolva-se localmente onde puder para tentar fazer a diferença”, sugere.
Por outro lado, não se sinta culpado por descansar. “E tente não anestesiar sua dor com drogas ou álcool. A verdade é que a natureza ficará bem sem nós. É a humanidade que está em risco”, diz ela à Folha, em conversa por email.
Rodale é autora de “Amor, Natureza e Magia”, livro recém-lançado pela editora Rocco no Brasil, no qual descreve o seu embarque por jornadas xamânicas. Regada por misticismo, a obra traz como principal ponto o fato de que nós, enquanto seres humanos, precisamos passar a viver em maior harmonia com a natureza.
“Todas essas corporações e governos estão respondendo às nossas demandas, nossas compras e nossos desejos. Quando pararmos de comprar, vão parar de nos envenenar (e vamos também economizar dinheiro)”, defende.
No livro, ao mesmo tempo em que aborda seus aprendizados frutos de anos de experiências xamânicas, descreve com detalhes as passagens por outras dimensões com a ajuda de guias espirituais. Essas jornadas são geralmente feitas por meio do uso de um som rítmico, um tambor ou um chocalho, e podem incluir o uso de substâncias alucinógenas, como a ayahuasca, embora não seja o caso da autora.
Parte de antigas tradições indígenas, o xamanismo não é descrito por ela como uma religião, mas como uma forma de espiritualidade —é preciso ter fé para acreditar nas jornadas.
“Pessoalmente, acho que pessoas mais céticas têm dificuldade em entender muitas coisas. Eu era cética no início, mas estava aberta a tentar e aprender. E com o tempo, meu ceticismo desapareceu (embora ainda volte ocasionalmente!). Talvez o ceticismo seja um sinal de que precisamos aprender algo novo”, diz.
Esse ceticismo fazia parte da sua visão de mundo à época em que era CEO da editora —ela assumiu o cargo em 2009, após sua mãe morrer de câncer. O que começou com uma pequena empresa familiar na década de 1940, se tornou uma editora internacional (publicaram a revista Men’s Health em 99 países).
Com a chegada da internet no século 21, a empresa passou a focar tópicos que geravam mais lucro, como perda de peso, dietas, exercícios intensos e aconselhamento médicos apoiado por publicidade de farmacêuticas, e o interesse do Rodale no cargo minguou: “o que me parecia verdadeiro era que viver e comer com moderação, combinado com uma dose saudável de prazer, alegria e amor, era o que levava a uma vida longa e produtiva”, diz.
Passou a acreditar, acima de tudo, que, se os humanos não mudassem o próprio comportamento como espécie, o ambiente se tornaria inabitável para a humanidade. “Mais publicidade ou barriga tanquinho não resolveria esses problemas.”
Frente ao ceticismo, defende ainda que, se os cientistas estiverem prontos para levar o xamanismo a sério, ainda há um vasto campo de pesquisa a ser explorado. No entanto, diz que não é necessário que a prática seja validada pela ciência. “Embora sejam agradáveis e úteis, as evidências científicas são seguidoras, não líderes, na confirmação do que muitos já sabem. O importante é ter a experiência direta e decidir por si mesmo.”
Um dos poucos estudos usados como argumento a favor da prática mostra que o estado cerebral durante a viagem xamânica é de fato alterado e diferente daqueles sob a simples influência de psicodélicos.
Uma outra evidência mencionada por Rodale é a de que, conforme o antropólogo Michael Harner descreveu no livro “O Caminho do Xamã”, existem princípios fundamentais das jornadas xamânicas que ocorrem em todo o mundo. Essa obra é considerada uma referência fundamental nos estudos sobre xamanismo, tanto para praticantes quanto para pesquisadores.
A obra, lançada em 1980 nos Estados Unidos, já foi criticada pela abordagem limitada do xamanismo amazônico e pela falta de debate sobre apropriação cultural. Essa foi uma das preocupações sobre as quais Rodale teve de considerar antes da prática. Reforçando não ser uma xamã, sacerdote da prática, ela diz que o que importa é mostrar respeito e honrar as fontes da sabedoria, seja ela qual for.
Hoje, é com uma positividade quase idílica que usa as lentes para ver o mundo e, também, o futuro da humanidade. “Sou principalmente otimista porque estudo história e vejo o quanto já avançamos, mesmo que constantemente retrocedamos. Como digo no livro, o tempo não é uma linha reta; é uma espiral”, diz.
Mas, diferentemente da positividade tóxica —uma tentativa de escapar e silenciar o negativo—, ela tenta dar soluções, embora limitadas e individuais, para alguns dos fenômenos que enfrentamos hoje. “Temos tanto poder para criar o futuro em que queremos viver através dos nossos pensamentos, dos nossos sonhos e das escolhas que fazemos sobre nossas vidas. Se cada um de nós decidir viver uma vida de amor e fazer o que pudermos para proteger a natureza, podemos curar a terra e também curar nossos corações.”
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