Inspirado em uma viagem que fiz à foz do rio Doce, no Espírito Santo, em meados do ano passado, encarei um itinerário ainda mais ambicioso: explorar um pouco mais do percurso desse rio.
Não era apenas por mera curiosidade de ver como a região estava quase dez anos depois de uma das maiores tragédias ambientais da nossa história. O que eu queria mesmo era ampliar a experiência que tive quando fui à tal foz: a de encontrar pessoas incríveis.
Sabia que não iria me decepcionar logo no meu ponto de partida, em Mariana (MG), onde fui conhecer o precioso trabalho de restauro na reserva técnica lá montada. De uma peça de altar à folha de papel destruída, tudo ganha novamente vida por lá.
Por mais minucioso que seja o trabalho desses técnicos, o que me chamava a atenção era o carinho envolvido nesses restauros. Qualquer mesa de trabalho parecia uma oficina de ourivesaria. Visitar uma sala com peças já restauradas era como adentar um berçário.
Isso tinha a ver com as pessoas envolvidas —não só no restauro. Estrada adentro em direção à foz, cruzei o Perd (Parque Estadual do Rio Doce) e novamente me emocionei primeiro com as pessoas, depois com a natureza.
Seja o Marlon procurando bichos exóticos, a Lariane me mostrando o guia das aves que os turistas do mundo vêm conferir no Perd, o Maurício explicando como o rio Doce é monitorado ou o Vicente me lembrando que onde tem capivara tem onça… A paixão é o ponto comum entre eles.
Claro que o Perd é absolutamente exuberante. É uma das maiores áreas contínuas de mata atlântica preservada no Brasil, e a lagoa Dom Helvécio é de uma imensidão apaixonante.
Mas é que as pessoas, justamente essas que há anos se dedicam a recuperar toda uma região dos prejuízos do rompimento da barragem de Fundão, me emocionam demais.
Pode ser num grupo de maracatu em Governador Valadares (MG), o animadíssimo Maracatudo, ou em volta de uma mesa em Regência, em Linhares (ES), comendo o peixe frito da Déia, no Comida de Mãe. Aí está o maior patrimônio dessa região: humanidade.
Essa viagem serviu para reforçar minha ideia de que esse é um país que se mistura e que se orgulha de ser tão mestiço. Há, em cada uma dessas pessoas, uma conexão muito forte com a história dos lugares.
Não era apenas uma ligação geográfica. A terra ali significa não só um solo, mas um passado. Ou ainda, uma narrativa em comum. E que com carinho, apesar de todas as dificuldades, todos fazem questão de preservar. Isso aumentou a minha fé de que eu estava viajando por um Brasil maior.
“Tenho certeza de que esse lugar ainda vai ser o que era antes”, me conta Déia. “As pessoas saindo pra pescar, com alegria e com a certeza de trazer a comida pra mesa.” Uma lágrima, inevitavelmente, assinou a sua fala. Outra desceu pelo rosto de quem a ouvia.
A mesma Déia encontrei depois, batendo seu tambor no ensaio do Congo de São Benedito. “Eu tava no porto do dia do desastre. O rio e o mar estavam a coisa mais linda”, ela continuou.
“Parece que Deus falou: vou dar essa visão pra você”, completa, na certeza de que ela ainda vai poder mostrar aos netos uma paisagem como aquela.
Porque tem esse rio no meio do caminho dessa gente. No meio dessa gente tem esse rio Doce. Mineiro que sou, como o Drummond de quem empresto os versos, não posso deixar de desejar uma visão como essa para as retinas tão fatigadas de Déia.
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