Cora Coralina (1889-1985), a poetisa que só publicou seu primeiro livro aos 76 anos e cantou como poucos as belezas do cerrado brasileiro, em uma época e lugar nos quais o papel da mulher era a realidade bruta da rotina doméstica, inspirou uma homenagem que nem poderia imaginar: ela dá nome a uma bela trilha de longo curso que cruza as cidades históricas de Corumbá de Goiás, Pirenópolis, São Francisco de Goiás, Jaraguá e a Cidade de Goiás. São cerca de 300 quilômetros de uma das paisagens mais ameaçadas pelo agronegócio, as queimadas e o desmatamento.
Nascida Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas, a poetisa nasceu no dia 20 de agosto de 1889, na Cidade de Goiás, antiga capital do estado. Aos 14 anos de idade criou o pseudônimo Cora Coralina que, gostava de contar, significa “coração vermelho”.
O Cora Coralina integra a trilha nacional Caminho dos Goyazes, formada ainda pelos caminhos do Planalto Central e dos Veadeiros, e foi oficializado em 2018, depois de cinco anos de estudos e identificação. Ao longo do percurso que recebe em torno de 2.000 visitantes a cada ano, ele cruza dois parques estaduais (o da Serra do Jaraguá e o dos Pireneus) e cidades fundadas durante o ciclo do ouro no Brasil, que preservam casarios coloniais e igrejas do século 18. Além disso, passa também pelo Salto Corumbá, cachoeira que já ilustrou a capa da National Geographic. E, para quem gosta de uma moda sertaneja raiz, é lá no meio do trajeto que se encontra o túmulo de Chico Mineiro, cuja história foi tema de um dos grandes sucessos da dupla Tonico e Tinoco.
Outra curiosidade do caminho é que, além de sua orientação ostentar as tradicionais pegadas amarelas, há 380 placas com poemas de Cora Coralina ao longo de toda a extensão, em pontos estratégicos. A jornada se divide em 13 trechos, com distâncias médias de 20 quilômetros, que chegam a locais onde se pode pousar, acampar ou apenas reabastecer água e mantimentos. O camping fora de locais oficiais não é proibido, mas, por questões de segurança, é desaconselhado.
Como 65% do caminho é percorrido em estradas vicinais, o Cora Coralina é classificado como de dificuldade moderada, sem cavernas ou paredões. Apenas três trechos são definidos como de alta dificuldade, por terem maior altimetria (leia-se pirambeiras) —serra de Jaraguá, pico dos Pireneus e serra do Caxambu.
“O caminho de Cora Coralina é importante não só pela questão ambiental, mas também pela valorização das comunidades locais ao longo de seu percurso, que já tem algumas dezenas de pessoas que dependem da rota para viver, com hostels, pequenas propriedades rurais que estão vendendo seu queijo, sua hospedagem, um café”, conta Fabrício Amaral, presidente da Goiás Turismo e um entusiasta da trilha que conta terem sido investidos R$ 3 milhões só na infraestrutura, que exige ainda em torno de R$ 800 mil por ano para sua manutenção. “E acrescentamos como diferencial o detalhe das poesias, uma valorização lúdica dessa grande poeta.”
Amaral, que já percorreu a pé 100 quilômetros do caminho em duas etapas, define a experiência como “fantástica, pela natureza exuberante, mas também pela experiência do contato com as pessoas, que fez do Cora Coralina um laboratório de políticas públicas para o estado”.
“Não estamos preocupados apenas com o turista, mas também com as comunidades locais”, ressalta Amaral. “Porque o turista passa e às vezes não deixa nada, mas as comunidades se beneficiam do cuidado com a trilha”.
A melhor época para emitir o passaporte que confirma o percurso percorrido e sair batendo perna pelo trajeto encantado dos poemas, segundo Amaral, é entre fevereiro e julho, quando as chuvas fortes já passaram e o sol (que no cerrado é um sol de respeito, convenhamos) não está mais tão forte.
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