A Casa Branca foi o primeiro terreiro de candomblé do Brasil fundado na segunda metade do século 19. O templo ficava no local conhecido hoje como Centro Cultural Barroquinha, no centro histórico de Salvador, um dos acessos ao Pelourinho e que já foi também uma igreja. Esse é o cenário da peça “O Candomblé da Barroquinha” que ganhou curta temporada na capital baiana (termina neste 09/02) com sessões sempre lotadas e que acompanha o processo de iniciação de uma filha de santo, abiã, como são chamadas na religião afrobrasileira.
O espetáculo tem direção de Thiago Romero e explica, sem didatismos, sobre a religião que é envolta de mistérios, intolerância e magias. Mais do que um texto sobre candomblé, é uma peça sobre a comunidade em torno da religião. Realizada pelo DAN – Território de Criação explora, muito bem, o cenário e usa ele como um dos protagonistas. A encenação começa já na parte de fora, surpreendendo o público que vai acompanhando os atores que vão surgindo e se apresentando.
A fonte de Oxum, orixá que representa a fertilidade e prosperidade e rainha das águas doces, é palco de uma das cenas. O local que fazia parte do terreiro foi reinaugurado em 2018, mas é pouco conhecido ou visitado pelos turistas, mesmo com a localização privilegiada atrás do Cine Glauber Rocha e do Hotel Fasano.
Os atores – todos negros – cantam, correm, maceram folhas e distribuem uma cocada para o público exibindo figurinos deslumbrantes e uma coreografia impecável criada por Nildinha Fonseca. A comédia dá o tom das cenas e faz deboche, por exemplo, sobre a abiã que está aprendendo danças de orixá no TikTok. Há ainda um momento dramático de discussão entre os dois filhos santos, a ekedi (que ajuda aqueles que recebem os orixás) e um iaô (filho iniciado que incorpora orixás) que faz o teatro tremer de tensão.
As palavras em iorubá, usadas no candomblé ketu, são bastante exploradas no texto de Daniel Arcades. Talvez precise de um conhecimento prévio da religião ou das mesmas. O espetáculo podia explorar mais os orixás expostos numa das partes do teatro e contextualizar a presença dos ogãs (homens que tocam tambores e zelam pelo momento de transe) e também aprimorar a parte técnica, uma vez que algumas cenas ficam inaudíveis.
Aprimoramentos a parte a peça precisa ter vida longa e voltar a ter encenações no espaço da Barroquinha. Também fiquei pensado como seria a encenação em São Paulo ou Rio de Janeiro, deslocando o cenário e a linguagem, que é mais frequente em Salvador, mas tão necessários no Sudeste para contextualização e diminuição do preconceito contra a religião. É como diz o texto de divulgação “Nessa casa há outras moradas. Nessa casa há fundação. Nessa casa, territórios de rainhas se unem e refundam-se, religam-se.” Axé!
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