Meses atrás, recebi de meu filho um presente de aniversário que me levaria a sentimentos de alegria, surpresa e, logo na sequência, medo. Durante uma videochamada, sorridentemente ele ergueu a mão e mostrou a imagem de um ultrassom com a silhueta de um bebê. Ele, que sempre quis ter filhos, seria pai. É muito bom vê-lo realizando sonhos, especialmente dessa magnitude. O que eu não havia conectado até aquele momento é que o fato de ele ser pai me tornaria avó. Para além de estar feliz por ele, me vi surpreendida com essa nova camada de vida.
Não passei pela crise da menopausa, tampouco da meia-idade, e de repente estava existencialmente provocada pela “voternidade”. Achei que anunciar nas redes sociais ajudaria a pacificar um pouco a tremedeira debaixo dos meus pés. Como não gosto de expor minha imagem publicamente, resolvi comunicar com um emoji, gif ou uma foto de banco de imagens retratando uma avó.
Foi então que me dei conta do lugar em que o imaginário social nos coloca. O resultado da busca trouxe mulheres idosas em situações romantizadas preparando bolo, regando plantas no jardim, dando banho em bebês, a maioria com cabelos presos num coque no alto da cabeça, óculos na ponta do nariz ou apoiadas em bengalas. Tentei geradores de imagens por inteligência artificial, colocando o genérico nome “avó” e “grandmother”. O resultado foi o mesmo, figuras feitas por um mundo digital desatualizado numa era em que mudanças ocorrem na velocidade da luz.
Sou uma mulher de bem com meus 57 anos, em paz com meus cabelos grisalhos, orgulhosa de minhas tatuagens, realizada na profissão que exerço apaixonadamente e renovada depois de um recente mochilão de 30 dias sozinha na Índia. Faço parte de muitas, então onde essas avós estão representadas? Certamente não é na imagem de Dona Benta. E foi quando o medo veio. Será que, sendo avó, eu continuaria a ser vista como uma pessoa jovial, energizada? Pela minha compleição física eu já sou Claudinha, seria agora vózinha?
Desisti de qualquer anúncio nas redes e me mantive em silêncio, elaborando ser quem eu sou, estando agora onde estou. Dentre os poucos a quem revelei a novidade, encarei outra convenção social, ninguém perguntou como eu me sentia. Todos me deram os parabéns entusiasticamente, ou seja, era automático que o ser avó me traria exclusivamente felicidade e nada de dúvidas, nada de medo, nada de questões sobre o que vem depois.
Ainda fiquei mais reflexiva quando me questionei se estou também atravessada por estereótipos e como os deixo me afetarem, do contrário talvez essas questões nem estivessem presentes, nem eu sentisse culpa por vivenciar e expor tantos sentimentos confusos. Até para escrever esse texto titubeei. Vou magoar meu filho? Sou eu uma insensível?
Sentindo-me solitária, fui em busca de apoio na literatura acadêmica. Da psicologia à semiótica encontrei pouquíssimos estudos sobre os impactos da “voternidade” na individualização e na representação de mulheres do século 21. Até li um artigo tratando o ser avó como uma fonte de renovação e renascimento de momentos que a vida nos fez deixar de lado. Interessante, mas nada sobre o lugar social onde avós e avôs são colocados.
Nessa nem tão surpreendente descoberta, eu me vi diante do etarismo, algo que ainda não havia sentido, até porque no meu convívio profissional as pessoas navegam mais ou menos na mesma geração e até minhas amigas super jovens nunca nem sequer deram pistas disso. Acontece que quem pauta simbolicamente essas imagens e quem desenha tais representações que serão usadas em apresentações, postagens e publicidade vê e divulga as avós, em pleno 2025, como uma caricatura da idosa, aposentada e fragilizada fisicamente.
É preciso atualizar esse olhar, ver outras avós e expor essas manifestações de etarismo que às vezes só percebemos ao nos depararmos com elas. Assim, pode até ser que quem esteja no meio das inovações digitais abandone sua mentalidade antiquada e chegue, ainda que atrasado, no mundo atual.
Para meu neto, que nasceu há duas semanas, dei de presente uma playlist de puro rock brasileiro.
Como parte da iniciativa Todas, a Folha presenteia mulheres com dois meses de assinatura digital grátis