Não consigo ou não quero parar de pensar nela e no término? Essa talvez seja uma pergunta doída, mas necessária, para que possamos elaborar o fim de um amor.
Como a única coisa que sobrou daquela nossa pessoa foi o lembrar, pensar e sofrer, nos apegamos à dor como se estivéssemos nos aproximando daquela que já não está lá. O apego às memórias, às saudades, às mensagens e até mesmo às migalhas de afeto de certa forma nos faz companhia, e essa nos parece menos assustadora do que encarar o vazio. Um vazio que, provavelmente, já estava presente na relação e que, ao se alargar, virou um abismo. O outro não quis mais.
Por quê? Nos perguntamos nas noites insones. “Eu só queria entender o que aconteceu” é a súplica desses corações presos num vórtice descendente de obsessão por respostas, como se a racionalidade pudesse trazer certezas que aplacariam as incertezas e a angústia causadas pelo fim.
Perdidos emocionalmente e assustados ao nos confrontarmos com nosso desamparo estrutural, transformamos a busca por respostas e a lembrança constante do outro em pontos de ancoragem. Assim, o ato de reler mensagens, revisitar conversas e reviver momentos se intercala com um stalking infinito dos rastros que o ex deixa pelo mundo —o que, em tempos de redes sociais, se torna um ato de puro masoquismo (pós-Carnaval, então…).
E quanto mais nos afundamos em teorias e projeções, mais clamamos pela presença do outro para, ao menos, nos tirar desse mar de dúvidas antes de partir. Queremos uma última conversa (mais uma), uma explicação (mais uma), um desfecho que faça sentido. Mas será que buscamos mesmo entender ou estamos, na verdade, tentando recomeçar? Recomeçar o que exatamente? Na maior parte do tempo, estamos deslocados do presente, presos ao que foi ou ao que poderia ter sido. “Ele escapou, mas, se voltasse, estaria de fato feliz com ele? Perderia o buscar”, nos indaga Natalia Timerman em “Copo Vazio”. O maior apego de todos não está no amor da pessoa que se foi, mas na ilusão de controle que essa busca contínua nos dá.
Sair desse looping é difícil pois a saudade é também química. Um estudo conduzido pela antropóloga Helen Fisher, publicado no Journal of Neurophysiology descobriu que pessoas que sofreram rejeições amorosas passam 85% do tempo acordadas pensando em quem as rejeitou. Isso porque, como aponta a pesquisadora italiana Donatella Marazziti, apaixonados e pacientes com transtorno obsessivo-compulsivo compartilham uma mesma característica: baixos níveis de serotonina, o hormônio do bem-estar. O amor romântico age como um vício: ativa os mesmos circuitos de recompensa, mantém a mente fixada no objeto de desejo e torna a ausência insuportável. O fim não é só tristeza —é também uma crise de abstinência. Por isso, agimos de forma impulsiva e compulsiva, buscando resquícios do outro que tragam a sensação de bem-estar de volta: ouvir aquela música, passar na rua da pessoa, mandar mensagem bêbado. O cérebro viciado quer a droga de novo.
Talvez seja isso. Você não sente falta apenas da pessoa, mas da sensação que ela trazia. A adrenalina, a intensidade, até mesmo a dor, que pode ser uma maneira de se sentir vivo. Freud chamaria isso de pulsão de vida e pulsão de morte entrelaçadas. A angústia de não ter se torna o que mantém acesa a chama do desejo.
Pensar é inevitável, mas morar no pensamento é escolha. No budismo, ensinam que a questão não é expulsar a ideia, e sim não se confundir com ela.
Freud, em “Luto e Melancolia”, explica que, sem novos destinos, a libido pode se cristalizar na ausência, como se o desejo inteiro ficasse preso a quem partiu. E quando isso acontece, a dor não só se prolonga como se volta contra nós, transformando-se em angústia, exaustão, e vazio —esse que queríamos tanto evitar.
Dói, dá raiva, angústia, tristeza, desamparo… é preciso sentir. Sentir, não entender. O fim de um amor é uma morte que contém muitas mortes: a da relação, de quem fomos com o outro, de nossos sonhos e planos, de nossa rotina juntos. Como toda morte, exige coragem para atravessar o trabalho do luto. E sim, é um trabalho. Demorado, não linear, mas possível.
Pensando no amor como um vício, é preciso entender também que devemos adaptar a sabedoria popular “a distância —e não o tempo— é o melhor remédio”. Apague o histórico de mensagens, devolva os objetos, salve as fotos num HD para que se abra espaço no seu disco emocional. Silencie as redes da pessoa, evite lugares familiares e peça delicadamente para que as pessoas não te contem se encontrarem sua ex no shopping. Você também é um adicto em recuperação, por isso a distância não só é remédio, mas também prevenção.
E, em vez de travar uma guerra contra as lembranças, vá povoando a vida de novos desejos. Amores que não precisam ser românticos. Novas amizades, planos, viagens, trilhas sonoras para o café da manhã. Pequenas delicadezas que convidam a experimentar o amor depois do amor; a sentir que novas alegrias conviverão com velhas saudades.
Elaborar não é esquecer, é ressignificar. Aos poucos, o que parecia imenso vai encolhendo, vai ganhando outro tamanho ante aos novos universos que você se permitiu criar. E sem que você perceba, um dia, já não dói mais.
E se você também tem um dilema ou uma dúvida sobre suas relações afetivas, me escreva no [email protected]. Toda quarta-feira respondo a uma pergunta aqui.