“Não espere ter sede para beber.” “Beba o máximo que puder.” “Beba além da sede, mesmo sem vontade.” Dicas como essas circulam em livros-texto, artigos científicos e no discurso de especialistas —ao gosto da indústria das bebidas esportivas.
Conhecidos também como isotônicos, esses produtos são compostos por água, eletrólitos (como sódio e potássio) e açúcares. Criados na década de 1960 para repor nutrientes perdidos em esforços exaustivos e melhorar o desempenho esportivo, tornaram-se um grande negócio, que hoje movimenta cerca de US$ 20 bilhões por ano.
Claro que essas cifras não são sustentadas pelos atletas, digamos, puro-sangue, que frequentemente emprestam suas imagens às famosas marcas do ramo. O consumo pesado vem dos amadores-que-se-identificam-como-atletas —indivíduos com níveis de autoestima patologicamente elevados. Não seria a indústria a contar-lhes que suas bebidas não lhes trazem vantagens. Essa tarefa importuna fica por nossa conta.
É consenso que atividades moderadas e com duração inferior a 60 minutos dispensam o consumo de isotônicos. E, exceto em condições excepcionalmente quentes e úmidas —e contanto que você seja jovem e saudável—, água também.
“Mas eu transpiro muito quando corro na esteira…” Ótimo para você, caro leitor! A desidratação leve induzida pelo exercício é um módico preço fisiológico a se pagar pela eficiente dissipação de calor do seu corpo. Quem produz mais suor regula melhor a temperatura. O pânico da sudorese, alastrado pela indústria, não é justificado.
Nem mesmo para atletas puro-sangue. Dados coletados na África do Sul durante o triatlo Ironman (3,8 km de natação, 180 km de ciclismo e 42,2 km de corrida) demonstram que a perda hídrica na prova —que pode atingir 8 litros!— não se relaciona a sintomas clínicos de desidratação (edema de mão e pulmão, olhos fundos, etc), aumento da pressão arterial e da temperatura ou outros eventos adversos.
E quanto ao desempenho esportivo? Em 2008, Haile Gebrselassie, o lendário fundista egípcio, perdeu impressionantes 10% do peso em líquidos na maratona em que bateu o recorde da modalidade. Haile passa bem e não está só. Estudos observacionais (que, lembremos, não provam causalidade) apontam que atletas que mais desidratam tendem a ser os que cruzam mais cedo a linha de chegada. E sobretudo para provas mais curtas (até 60 minutos), há evidências de que perdas hídricas não superiores a 3-4% do peso podem conferir pequenos ganhos esportivos, já que a perda de líquidos reduz a massa corporal e melhora a economia do movimento —um princípio análogo ao efeito que o esvaziamento parcial do tanque tem na eficiência de um carro de corrida.
Se o risco da desidratação é superestimado, o mesmo não pode ser dito da hiper-hidratação. Um estudo feito com corredores da Maratona de Boston de 2002 mostrou que 13% deles apresentaram hiponatremia (baixa concentração de sódio no sangue), condição que pode levar a convulsões, edema cerebral, parada respiratória e morte. Sua causa principal é o excesso de líquidos ingerido, que dilui o sódio na circulação. Atletas que terminam a prova mais pesados do que começaram estão entre os mais vulneráveis.
“Aí entram os isotônicos para nos acudir, certo?” Essa é a voz do marketing. Eis a da ciência: embora prometam repor os sais minerais, as bebidas esportivas comercias não são capazes de evitar a hiponatremia induzida pela hiper-hidratação. Que a indústria não nos ouça, mas o melhor seria respeitar a sede —um mecanismo evolutivo finamente governado pelo hipotálamo para nos lembrar exatamente quando e quanto beber.
E assim chegamos ao paradoxo das bebidas esportivas: os poucos que realmente precisam delas (atletas) faturam para consumi-las, enquanto nós, que não precisamos, desembolsamos por elas. Logo, se você paga pelo seu isotônico, é provável que consiga viver bem sem ele.
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