Salas de estar com paredes brancas, sofá branco e almofadas brancas. Poucos móveis de madeira, uma televisão disfarçada de obra de arte, um vaso de cerâmica sobre a mesa de centro, um vaso de palha com uma costela-de-adão no chão.
No armário aberto, poucas roupas, arrumadas por cor, do branco, passando por off white, bege e cinza, até chegar ao preto. Nada chamativo, tudo meticulosamente escolhido e organizado para combinar com tudo. Sapatos e bolsas, poucos e bons, daqueles que duram uma vida —e custam o salário inteiro de muita gente.
Por trás da estética bege, a proposta de um estilo de vida “simples”, onde menos é mais, não só na decoração e no armário, mas também na rotina, na alimentação, na locomoção, no consumo, nas ambições. Tudo muito bonito no papel, na narração em tom sereno que acompanha o house tour no Instagram, no discurso do coach que ensina (por uma módica quantia parcelada em 12 vezes) “como ser mais feliz tendo menos”.
A intenção é boa, tenho certeza. Num mundo que está claramente e aceleradamente indo para as cucuias— levado justamente pela mentalidade do tudo, muito, a toda hora—, era para o tal minimalismo fazer todo sentido. Mas confesso cultivar um ranço profundo pelo movimento, se é que podemos chamá-lo assim (meu cinismo teima em rotulá-lo como tendência, mas vou tentar ignorá-lo por ora).
É que poucos movimentos me soam mais elitistas do que esse minimalismo pregado a torto e a direito nas redes. O discurso todo (e a embalagem que se deu a ele) me parece coisa de gente que não tem contato algum com a realidade de 99% do mundo. Se tivesse, se perguntaria como é possível tentar evangelizar o trabalhador que mora a duas horas do trabalho a trocar a conquista suada da moto pela bicicleta. Como receitar uma hora de meditação por dia logo pela manhã para a mãe que não consegue ir ao banheiro sozinha? Como pregar o desapego se tudo o que foi conquistado foi a duras penas?
A verdade é que ter pouco (intencionalmente, claro) virou sinalizador de status. Quanto mais dinheiro se tem, mais livre se está para ter pouco. Afinal, quem pode se dar ao luxo de ter menos compromissos na agenda e mais tempo para si? Ou ter menos roupas no armário, sempre bem lavadas e passadas (e trocadas assim que cai a primeira mancha de molho de tomate)?
Num país marcado pela desigualdade social, quem tem tempo, dinheiro e estrutura para simplificar a vida? Numa sociedade marcada pela sobrecarga da mulher, que mãe ou cuidadora pode se dar ao luxo de desacelerar? A resposta me parece óbvia: aquelas que têm dinheiro de sobra, e olhe lá.
Para quem nunca teve muito, para quem tem que se desdobrar para dar conta do essencial, fazer menos não é opção e possuir é se resguardar para um amanhã incerto.
Então voltemos à nomenclatura porque o nome que damos às coisas importa. Se fosse encarado apenas como “tendência” ou “estética” talvez fosse menos perverso. Mas ao dar a este minimalismo das redes sociais ares de ideologia, se confere a ele feitio de virtude, e aos que o praticam, um carimbo de superioridade, não só financeira como moral.
O problema, que fique claro, não é o desejo legítimo de consumir menos ou de forma mais consciente, mas sim quem teria o direito de cagar essa regra. Com certeza não deveriam ser os seres superiores que acham que estão salvando o mundo com suas salas brancas e garrafas Stanley de R$ 400.
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