Esta é a edição da newsletter Cuide-se. Quer recebê-la no seu email? Inscreva-se abaixo:
Imagine a cena: você está correndo uma maratona. Durante uma atividade tão longa, é preciso reabastecer a energia do corpo para evitar fadiga e manter o desempenho. O que você escolheria ingerir no meio da corrida?
Que tal um ovo cozido? Ou um pouco de manteiga? Um pedaço de bacon?
↳ Não parece adequado? Realmente não é. Mas essas seriam as opções dentro da dieta carnívora, que está ganhando espaço nas redes sociais.
Essa dieta têm proteínas e gorduras como base da alimentação. O carboidrato, macronutriente responsável por dar energia ao corpo, é proibido.
- Que fique claro: no caso da corrida, um suco de laranja ou uma banana seriam ideais para abastecer de forma rápida e eficiente o organismo.
A restrição total de carboidratos é apenas um dos motivos pelos quais um cardápio carnívoro não é recomendado pela ciência. Conversei com especialistas para esclarecer todos eles.
Entenda: a dieta carnívora propõe o consumo exclusivo de alimentos de origem animal.
- O que pode: carnes bovinas, carnes suínas, carnes brancas (frango e peixe), banha de porco, caldo de ossos, ovos e laticínios (leite, iogurte, manteiga).
- O que não pode: cereais (como arroz, milho, trigo), grãos (feijão, grão de bico, ervilha), castanhas, frutas, legumes, verduras e alimentos ultraprocessados.
A dieta vai contra a tese comprovada cientificamente de que a alimentação deve ser balanceada. Nas redes sociais, há vídeos de pessoas “lanchando” tabletes de manteiga ou comendo bife no café da manhã.
Qual a justificativa para aderir? Ela é um tipo de dieta cetogênica, que consiste em restringir carboidratos (glicose e outras formas de açúcar) para que o corpo queime gorduras como forma de obter energia.
↳ Pacientes com epilepsia são beneficiados com a dieta cetogênica, com redução das crises epilépticas, explica a nutricionista Debora Strose Villaça, doutora pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Mas… A carnívora é mais uma dieta restritiva, afirma Villaça, e não oferece os nutrientes necessários para manter as funções do organismo. Os adeptos usam como argumento um estudo de Harvard cuja conclusão foi que adultos tiveram benefícios ao adotar uma dieta carnívora.
O trabalho em questão é, na verdade, uma pesquisa feita via redes sociais com 2029 pessoas (você pode conferir aqui).
↳ “Era tudo online, o colesterol dessas pessoas não foi medido”, explica a médica Fabiana Rached, diretora científica do departamento de aterosclerose da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC).
Os defensores dizem também que a gordura animal é “natural”, portanto, não faria mal à saúde. Isso não procede, de acordo com Rached.
↳ “O que está em questão é o tipo de gordura ingerida”, afirma. Consumir altas quantidades de alimentos naturais ricos em gordura também é prejudicial.
Entenda melhor as consequências à saúde:
1. Aumenta o risco de doenças cardiovasculares
Dietas ricas em gorduras saturadas ou trans, encontradas nas carnes vermelhas, laticínios e embutidos, causam uma redução do colesterol bom (HDL), aumento do triglicérides e do colesterol ruim (HDL), explica Rached.
Esses fatores podem levar à doença aterosclerótica. “É uma doença inflamatória crônica que evolui ao longo de décadas até desenvolver um infarto, AVC ou doença vascular periférica, que, por sua vez, pode levar a amputação e úlceras”, diz a médica.
2. Favorece a disbiose intestinal
A ingestão de uma quantidade muito alta de carne, principalmente vermelha, e de gordura saturada interfere no equilíbrio da microbiota intestinal, afirma o nutrólogo Durval Ribas Filho, presidente da Associação Brasileira de Nutrologia (Abran).
↳ A microbiota é composta por microorganismos do intestino que auxiliam na digestão. Também controla a passagem de substâncias para a corrente sanguínea.
Ela tem relação direta com a imunidade. Quando desequilibrada, pode deixar passar toxinas e bactérias que aumentam o risco de doenças crônicas e autoimunes.
3. Causa deficiência nutricional
A exclusão de alimentos como frutas, legumes, verduras, grãos e cereais impede a obtenção dos nutrientes que o corpo humano precisa.
Vitaminas e minerais ajudam a manter funções biológicas e têm ação antioxidante, de acordo com Villaça.
4. Pode gerar constipação
Verduras, frutas e legumes são essenciais para fornecer fibras que garantem um bom funcionamento intestinal. Cortá-los do cardápio pode gerar dificuldade de evacuação.
Fibras ajudam ainda na sacidedade, no controle glicêmico e na microbiota intestinal, complementa a nutricionista.
5. Aumenta o risco de câncer de intestino
O Instituto Nacional de Câncer (Inca) recomenda evitar carnes processadas e limitar carnes vermelhas, pois ambas estão relacionadas ao desenvolvimento da doença.
- A orientação é não ultrapassar 500 gramas de carne vermelha (boi, porco, cordeiro…) por semana.
6. Reduz o bem-estar e causa indisposição
“A adesão a esse tipo de dieta é muito difícil”, diz o presidente da Abran. “A partir do momento em que praticamente não ingere carboidratos, você vai conduzir o seu organismo a produzir uma quantidade menor do neurotransmissor serotonina.”
Assim, há uma redução no prazer e no bem-estar. A pessoa também sente fraqueza, indisposição e cansaço, lista Ribas.
Tem mais: há um risco de sobrecarga dos rins, por causa do excesso de proteínas; de resistência à insulina; e de desenvolver doenças neurodegenerativas, complementa o nutrólogo.
- “Se essa dieta pode ter algum tipo de benefício, certamente os malefícios são muito maiores”, diz.
A alimentação é mais do que consumir nutrientes, relembra Villaça. “Ela incorpora questões sociais e culturais das práticas alimentares, e esses aspectos devem ser valorizados e estimulados”, orienta a nutricionista.
O que você precisa saber
Notícias sobre saúde e bem-estar
Mais malefícios do vape. Cigarros eletrônicos alteram a composição da saliva, aumentando o risco de doenças bucais como cáries, lesões da mucosa e doença periodontal. O estudo foi realizado no Instituto de Ciência e Tecnologia da Unesp.
Dependência de maconha. Pacientes que receberam diagnósticos de transtorno por uso de cannabis morreram a uma taxa quase três vezes maior do que indivíduos sem o transtorno nos cinco anos seguintes, de acordo com um estudo publicado na revista científica Jama Network Open.
Dengue preocupa. O cenário da doença não será melhor no estado de São Paulo em 2025, de acordo com o secretário estadual da Saúde. O sorotipo 3 da dengue, que avança com mais força, é a maior preocupação das autoridades.