Quando Jennifer S. Wortham era adolescente, seu irmão mais novo, Patrick, começou a se comportar mal e se meter em encrencas na escola.
Seu padrasto havia falecido recentemente e sua mãe estava sofrendo. Se alguém pudesse ajudar Patrick a se reerguer, ela pensou, seria o padre católico que se tornara um amigo próximo da família.
O padre não morava mais perto de sua casa na Califórnia, então, naquele verão, ela e sua mãe enviaram Patrick para ficar com ele no Texas.
Na época, Patrick implorou para não ir. Mais de uma década depois, a família descobriu o motivo. O padre havia molestado tanto Patrick quanto seu irmão mais novo, Michael, desde que tinham cerca de 10 anos.
A descoberta “destruiu completamente minha família”, diz Wortham, que agora é pesquisadora do programa de Desenvolvimento Humano em Harvard.
Ela sofreu por anos, se sentindo culpada e desolada por ter facilitado involuntariamente parte do abuso. “Nunca mais comemoramos o Natal juntos”, diz ela. “Não podíamos estar todos juntos.”
A experiência levou Wortham a estudar o tema do dano moral, ou o sofrimento profundo que pode surgir quando você sente que seus valores foram violados, seja por você mesmo ou por outra pessoa.
Os sentimentos resultantes de impotência, culpa e vergonha podem levar a problemas de saúde mental como ansiedade, depressão e até comportamento suicida.
“Por que você está experimentando todos esses sentimentos? É porque, no fundo, em seu âmago, quem você é está sendo desafiado, ameaçado ou violado”, afirma Tessy A. Thomas, médica e pesquisadora de bioética em Danville, Pa., que estudou o sofrimento moral entre os trabalhadores da saúde.
Em outras palavras, ela disse, pode parecer que sua integridade está em jogo.
Como reconhecer um dano moral?
Traições graves, como o que Wortham e sua família vivenciaram, podem criar sofrimento psicológico —mas também podem “eventos relativamente pequenos do dia a dia”, diz Connor Arquette, residente em cirurgia plástica em Stanford, que pesquisou sobre dano moral.
“Esses momentos frequentemente nos fazem sentir desconfortáveis, mesmo que não possamos articular imediatamente o motivo”, acrescenta ele. E com o tempo, as pessoas podem atingir um ponto de ruptura.
Digamos que você valorize a justiça, diz Arquette, mas sua equipe em um grande hospital acadêmico recebeu instruções para ir além do esperado por um paciente particularmente rico ou bem relacionado. Se outros pacientes não estiverem recebendo o mesmo nível de atenção, você pode sentir que seus princípios estão sendo comprometidos, acrescentou.
“Angústia moral”, precursora do dano moral, foi cunhada em meados dos anos 1980 em referência a enfermeiras que sentiam que estavam sendo impedidas de fazer o que era moralmente correto enquanto estavam no trabalho.
Mais tarde, nos anos 90, o psiquiatra Jonathan Shay criou o termo “dano moral” para se referir a veteranos que foram prejudicados psicologicamente por cumprir ordens que violavam suas crenças, como instruções para matar ou prejudicar civis.
O termo também foi aplicado a outros grupos:
Professores, trabalhadores da saúde, funcionários do governo e profissionais de segurança pública podem encontrar mandatos que ameacem comprometer seus valores, testemunhar comportamentos moralmente repugnantes ou se tornar vítimas da transgressão de outra pessoa.
Nos últimos cinco anos, houve “uma explosão de pesquisas” sobre dano moral, diz Harold G. Koenig, mentor de Wortham e psiquiatra da Universidade de Duke que, com sua equipe, criou escalas para medir essas feridas emocionais.
Wortham e seus colegas propuseram modificar o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais da Associação Psiquiátrica Americana, a classificação de condições de saúde mental da psiquiatria, para incluir a noção de que problemas morais poderiam contribuir para uma condição de saúde mental.
Em dezembro, após mais de um ano de revisão, a associação concordou. A mudança aparecerá em setembro.
A adição ajuda a validar o termo “dano moral”, afirma Koenig. Agora, acrescenta, mais pesquisas podem ser feitas para definir melhor e examinar os efeitos sobre os resultados de saúde mental.
Não há uma solução rápida para lidar com o dano moral. Mas tomar medidas pode ser um passo importante no processo de cura. Falar e pedir por mudanças é uma opção.
Wortham chegou ao ponto de se encontrar com o Papa Francisco, que posteriormente conversou com um grupo de sobreviventes de abuso sexual, incluindo seus irmãos, e pediu desculpas pelas falhas da igreja. Ela está trabalhando com uma equipe de especialistas para desenvolver um guia de dano moral para aqueles que aconselham sobreviventes de abuso clerical e suas famílias.
Pode haver situações em que suas mãos estejam atadas —no trabalho, por exemplo— que o façam questionar se este é o ambiente certo para você, diz Arquette.
Quando confrontado com uma dano moral, os especialistas dizem que construir resiliência moral é crucial. Thomas faz isso com um ritual diário: toda vez que lava as mãos, ela pensa nos desafios que os outros podem estar enfrentando.
Em seguida, ela encontra uma maneira de fazer um gesto simples, como verificar com um colega que está tendo um dia estressante. Esses pequenos atos de compaixão ajudam a fortalecer um de seus valores principais: integridade.
“Eu não posso mudar todas aquelas coisas externas que estão acontecendo”, ela diz. “A única coisa que posso controlar no momento é minha atitude e meu comportamento.”