Quando a embarcação aporta na entrada da comunidade Tiririca, um pequeno povoado que vive margeando o rio Negro, avistam-se dezenas de degraus de terra. Logo mais, o caminho que encurta a distância entre turistas, moradores e seus casebres estará coberto por água –o inverno amazonense deve trazer chuva, mas as secas intensas atrasam, ano a ano, a cheia do rio.
Almoçar na comunidade ribeirinha de 44 habitantes e provar o tradicional tambaqui de banda, assado na brasa e sem espinhas, faz parte do roteiro de dois dias que leva turistas de Manaus para Novo Airão (AM), cidade-sede do Parque Nacional de Anavilhanas. O parque é um labirinto natural composto por 400 ilhas, lagoas e igapós, o segundo maior arquipélago fluvial do mundo. Fica atrás apenas de Mariuá, também no Amazonas.
A visita à unidade de conservação e ao município, que fica a quase 200 km da capital amazonense (num acesso que seria mais simples se não fosse tão esburacado) era um atrativo oferecido majoritariamente por expedições de cruzeiro mais longas –no geral, de quatro a oito dias. Consequentemente mais caras (paga-se em torno de R$ 2.000 a diária).
De olho em baratear e popularizar o destino, agências passaram a vender o passeio com opções dois e até de um dia, num cansativo (mas prazeroso) bate-volta de Manaus.
“Ainda estamos educando os turistas sobre conhecer Novo Airão e Anavilhanas”, explica Wilson Neto, CEO da Iguana Turismo, que trabalha com o pacote. “Mas já percebemos que aumentaram os guiamentos para lá. Nosso foco é democratizar o passeio”. Para tanto, a agência tem parceria com um hostel local, onde o viajante pernoita em quartos compartilhados ou individuais, se assim desejar. O deslocamento da cidade de pouco mais de 15 mil habitantes para o rio é feito em vans ou no carro do próprio guia.
No roteiro de dois dias, o turista parte de Manaus para Novo Airão com uma parada na Vila de Paricatuba. A 30 km da capital, o vilarejo resiste com o apoio dos próprios moradores ao descaso do poder público. Um casarão construído no fim do século 19 para abrigar imigrantes no ciclo da borracha, e que virou um leprosário, está ali, abandonado. É hoje tomado por árvores e trepadeiras que protagonizam as fotos –e insistem em pulsar onde não há nenhum tipo de restauro.
A chegada à cidade é seguida da navegação para conhecer o arquipélago e do almoço na comunidade ribeirinha. Parte-se, então, para as praias de areia branca que emergem no período de seca (setembro a fevereiro), visando que o turista se banhe nas águas escuras e mornas do rio Negro.
Por ali, a imensidão do rio preenche a paisagem, e a escassez de movimentos instiga o viajante a ouvir o sons da natureza. O reflexo nas águas é a pedida para aguardar o pôr do sol no barco e findar o dia. No período de cheia, as florestas alagadas (igapós) se tornam trilhas aquáticas interessantes.
O segundo dia em Novo Airão começa no rio Negro –é que o turista pode praticar stand-up paddle ou andar de hidrobike (que requer menos equilíbrio) nas primeiras horas do dia. O roteiro segue com visitações à Fundação Almerinda Malaquias, que trabalha madeira reaproveitada, e à Associação de Artesãos de Novo Airão, onde fibras de arumã, uma espécie de cana trabalhada pelos indígenas amazônicos, são transformadas em tapetes, cortinas e quadros.
O itinerário termina com a tão esperada visita ao Flutuante dos Botos, um dos principais atrativos da pequena cidade, antes do retorno a Manaus. É lá que o turista pode ver de perto e até tocar os animais –mas em grupos limitados e com a supervisão dos tratadores. Nada de nadar ou oferecer comida. Os botos, ali, seguem livres no rio.
A atividade, que ocorre desde o fim dos anos 1990, passou a ser acompanhada de perto pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) em 2010. Naquele ano, diretrizes para a interação com o golfinho de água doce foram implantadas. “O turismo associado aos botos é uma das principais fontes de receita local. É crucial para Anavilhanas e para a comunidade de Novo Airão”, explica Enrique Salazar, analista ambiental do ICMBio.
“Proibir totalmente poderia gerar um impacto negativo, com interações não supervisionadas fora da área”, ele diz. Mas há os predadores que fogem aos olhos –ou à fiscalização. “Antes, um grupo de 21 botos passava por aqui”, conta Ludy Félix, que trabalha no flutuante e conhece cada um dos animais. “Mas um deles foi morto e família migrou da orla. Aí eu pergunto: quem é irracional aqui?”
Pacote Peixe-boi (1 dia em Novo Airão) – R$ 980, com almoço e guia.
Pacote Madadá (2 dias e 1 noite em Novo Airão) – R$ 1.899 (suíte privativa), ou R$ 1.719 (dormitório coletivo), com café da manhã, almoço e guia. Mais informações em Iguana Turismo.