Quando o podcaster e médico Peter Attia publicou seu livro de sucesso sobre longevidade, “Outlive”, em 2023, ele introduziu um conceito de treino de nicho para um público muito mais amplo. Attia afirma que o treinamento “zona 2”, que se refere a períodos longos e relativamente fáceis de atividades físicas, é crucial para a saúde metabólica —uma ideia que vai contra mais de uma década de entusiasmo pelo treinamento intervalado de alta intensidade.
Ir devagar e sempre não é um conceito novo, mas Attia e outros impulsionadores da zona 2 trazem uma nova perspectiva para o tópico. Não se trata apenas de fazer, digamos, um passeio de bicicleta relaxado; trata-se de manter um nível muito específico de intensidade que não seja nem muito fácil nem muito difícil.
Os entusiastas da zona 2 acreditam que se exercitar nesse nível de esforço por pelo menos algumas horas por semana pode ajudar a afastar condições crônicas como diabetes tipo 2 e doenças cardíacas. Mas alguns pesquisadores que estudam a saúde metabólica não estão convencidos de que isso seja realmente necessário.
O que é o treinamento da zona 2?
O burburinho em torno da zona 2 é baseado no trabalho de Iñigo San Millan, um professor da Escola de Medicina da Universidade do Colorado. Ex-ciclista profissional, San Millan há muito tempo ajuda a treinar ciclistas —incluindo o tricampeão do Tour de France Tadej Pogacar— além de sua pesquisa acadêmica.
Seu trabalho com ciclistas o levou a classificar o exercício em seis diferentes zonas de treinamento, com base, em parte, no tipo de combustível que seus músculos estão queimando, para explicar como o corpo responde a diferentes intensidades de treino. Na zona mais fácil, que para uma pessoa comum pode ser uma caminhada rápida, a queima é de principalmente gordura.
Quanto mais esforço, mais queima de gordura —mas apenas até certo ponto. Acima de um certo nível de esforço, o corpo começa a depender mais de carboidratos e diminui a queima de gordura. Os níveis de lactato no sangue também começam a subir, um sinal de que os músculos estão trabalhando mais. De uma perspectiva metabólica, San Millan diz que “algo estranho acontece” quando se cruza esse limite.
Ao longo dos anos, ele observou que os melhores ciclistas tendem a passar muito tempo de treinamento logo abaixo desse ponto. Esse não é o único tipo de treinamento que eles fazem, enfatiza —um ponto que às vezes se perde no hype da mídia social sobre a zona 2. Mas quanto mais tempo passam nessa zona, diz, melhores eles ficam.
Por que a zona 2 pode ser boa?
Não há dúvidas de que fazer muitos exercícios aeróbicos relativamente fáceis é bom para a saúde, mas a questão é se a zona 2 é especialmente benéfica em comparação a exercícios um pouco mais fáceis ou mais difíceis.
Treinar nessa intensidade, na visão de San Millan, ensina os músculos a fazer um possível uso mais eficiente de gordura e carboidratos. Mais especificamente, ele acredita que a zona 2 é o nível ideal para desencadear melhorias nas mitocôndrias, as chamadas “potências” em nossas células que usam oxigênio para transformar alimentos em energia.
Ao permanecer na zona 1, as mitocôndrias não estarão trabalhando duro o suficiente para estimular melhorias significativas. Se aumentar para a zona 3, a ponto em que começa a ter dificuldade para falar frases completas, os músculos mudarão para queimar mais carboidratos e menos gordura. A zona 2, então, é o ponto ideal.
Está bem estabelecido que ter mais mitocôndrias está associado a resultados positivos, como melhor sensibilidade à insulina e desempenho atlético. Mas San Millan, junto com um grupo crescente de outros cientistas, acredita que elas também funcionam como um preditor sensível de futuros problemas metabólicos: o primeiro lugar onde os sinais aparecem ao longo caminho para condições crônicas como diabetes tipo 2, doença cardíaca e até mesmo a doença de Alzheimer.
Na teoria deles, a receita para evitar tais doenças é se exercitar na zona 2, o que força as mitocôndrias a se adaptarem e crescerem.
Como saber quando se está na zona 2?
Descobrir exatamente o quão duro é preciso se esforçar ou qual frequência cardíaca corresponde à zona 2 requer uma visita a uma clínica de fisiologia do exercício, o que não é prático para a maioria das pessoas. Não dá para confiar nas zonas de frequência cardíaca em esteiras ou outros equipamentos de exercício, já que o sistema de seis zonas de San Millan é um dos vários sistemas de classificação diferentes, cada um com seus próprios limites de zona.
Outro método que ganhou popularidade entre os auto-otimizadores avançados em tecnologia é usar uma pequena quantidade de sangue para testar os níveis de lactato intermitentemente durante um treino.
Como alternativa, é possível pular os dados e se concentrar na dificuldade do exercício.
Em seu livro, Attia descreve o esforço apropriado como algo entre fácil e moderado: “lento o suficiente para que se possa manter uma conversa, mas rápido o suficiente para que a conversa possa ser um pouco tensa”. Ele sugere começar com duas sessões de meia hora por semana e progredir até que se esteja fazendo pelo menos três horas por semana no total.
O que a ciência diz?
O caso da zona 2 depende principalmente de dados observacionais, mas os cientistas ainda não testaram essas alegações em estudos de treinamento rigorosos.
San Millan vê o ritmo que você consegue sustentar na zona 2 como uma medida indireta de quantas mitocôndrias você tem e quão bem elas estão funcionando. Ao longo dos anos, ele notou que aqueles que fazem mais treinamento na zona 2 —ciclistas profissionais sendo seu principal exemplo— veem as maiores melhorias nesse ritmo.
Mas quando pesquisadores realizam biópsias musculares para medir diretamente a quantidade de mitocôndrias presentes, a zona 2 não se sai tão bem, de acordo com Kristi Storoschuk, uma candidata a doutorado em fisiologia muscular na Universidade Queen’s e uma das poucas pesquisadoras no mundo atualmente estudando o tópico.
Em vez disso, exercícios intensos bem acima da zona 2 produzem os maiores efeitos nas mitocôndrias. Essa também é a conclusão de uma revisão sistemática recém-publicada por cientistas na Noruega e na Dinamarca, e é uma perspectiva compartilhada por muitos pesquisadores na área.
Se o interesse na zona 2 leva as pessoas a presumir que mais fácil é sempre melhor, Storoschuk alerta que elas podem acabar se exercitando em uma intensidade tão baixa que as mitocôndrias não se beneficiam em nada.
É difícil fazer comparações de igual para igual entre diferentes tipos de treinos, o que pode explicar essas descobertas aparentemente conflitantes. Uma hora de zona 4 pode ter maiores benefícios de condicionamento físico do que uma hora de zona 2, por exemplo, mas também é muito mais difícil.
A verdadeira mágica da zona 2, diz Martin MacInnis, professor da Universidade de Calgary que estuda exercícios e mitocôndrias, pode acabar sendo que ela permite uma rápida recuperação e possibilidade de fazer o exercício novamente no dia seguinte —e talvez até aproveite. O melhor treino para impulsionar a saúde mitocondrial, diz, é provavelmente aquele feito regularmente.
De fato, Stephen Seiler, cientista esportivo norueguês, observou que os melhores atletas em uma variedade de esportes de resistência passam cerca de 80% do seu tempo fazendo treinamento relativamente fácil e 20% indo duro. Esse padrão 80/20 parece produzir a combinação ideal de quanto e quão dro deve ser o treino —e provavelmente é uma boa receita para otimizar a saúde também.
Essa é uma perspectiva compartilhada até mesmo por San Millan, que nunca pretendeu sugerir que há apenas um tipo de treino que valha a pena fazer. “A zona 2 faz parte disso”, diz, “mas é preciso fazer outras intensidades também”.