O prazer sexual feminino ainda sofre com tabus e banalizações, inclusive quando diz respeito à dor. Pode ser natural sentir um leve desconforto no início da vida sexual ou na troca de parceiros. Mas, quando deixa de ser temporário e passa a ser uma dor frequente, é necessário buscar avaliação médica para investigar a sua origem, afirmam especialistas ouvidos pela reportagem.
Fabiene Bernardes, presidente da Comissão de Sexologia da Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia), afirma que sentir dor durante a relação sexual “tem um impacto negativo tanto na saúde quanto na autoestima, no relacionamento e na qualidade de vida”.
A médica destaca a importância de diferenciar essa condição de outras questões, como o vaginismo e a vulvodínia, que são problemas distintos. O vaginismo é a contração involuntária do canal vaginal, impedindo a penetração, enquanto a vulvodínia é uma dor na vulva, que pode ocorrer independentemente do ato sexual.
Já a dispareunia se refere à dor que ocorre durante a penetração vaginal. Suas causas são múltiplas e podem estar relacionadas a doenças e condições pré-existentes ou até fatores emocionais, apresentando-se em diferentes graus.
Um dos motivos mais recorrentes da dor na relação é a atrofia vaginal, condição que causa ressecamento e inflamação nas paredes da vagina. É comum que mulheres no período do climatério, especialmente na pós-menopausa, passem por essa questão. “Isso ocorre por conta da alteração de certos hormônios”, explica a ginecologista Mirelle Ruivo.
Segundo a médica, a atrofia vaginal também pode afetar mulheres no puerpério, no pós-parto imediato, durante a amamentação e em casos de falência ovariana precoce —quando os ovários param de funcionar antes dos 40 anos de idade.
A falta de lubrificação vaginal também pode estar associada à ausência de desejo sexual. “Alguns contraceptivos hormonais podem alterar a libido em algumas pessoas”, observa Mirelle.
Doenças infecciosas, inflamatórias, medicamentos inibidores do eixo hipotálamo-hipófise-ovário, endometriose, miomatose, além de questões gastrointestinais, urogenitais e malformações genitais, também podem causar dor durante o ato sexual, explica Fabiene. “Então, toda vez que você sentir dor, deve procurar ajuda médica.”
Porém, se a investigação clínica não identificar uma causa fisiológica para a dor, é essencial considerar fatores psicológicos que possam estar envolvidos, adotando uma abordagem multiprofissional.
Carmita Abdo, psiquiatra e coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade da USP (Universidade de São Paulo), aponta que aspectos como ansiedade, depressão, estresse pós-traumático e até relacionamentos abusivos podem impactar a libido e, consequentemente, a lubrificação.
“Uma mulher em um relacionamento abusivo não está à vontade durante o ato sexual. Ela pode até estar participando mecanicamente, mas não lubrifica”, diz. O mesmo pode ocorrer com mulheres que tenham depressão ou ansiedade, pois essas condições dificultam a excitação. “A lubrificação é resultado da excitação sexual”, complementa.
A psiquiatra ressalta que, mesmo que o relacionamento atual não envolva abusos, experiências passadas podem evocar traumas que prejudicam o desejo e o prazer sexual. “O estresse pós-traumático é uma revivência da situação traumática. A mulher pode sentir risco, perigo, medo, e, com isso, não consegue relaxar, o que causa dor.”
O diagnóstico adequado é fundamental para tratar a real causa da dispareunia. O uso de lubrificantes pode ser um auxílio temporário, mas não resolve o problema subjacente, seja ele fisiológico, psicológico ou psiquiátrico. “Se não tratarmos a base da questão, estaremos sempre tentando resolver um detalhe dentro de um sistema muito mais complexo”, conclui Carmita.
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