Tive um pesadelo no domingo de Carnaval. Um professor se separou da esposa e veio morar comigo. Minutos depois que ele chegou de mala e cuia, a esposa tocou a campainha. Assim que abri a porta, ela chorou. Também chorei e pedi perdão: “Pode ficar com ele”. Disse para o meu amante: “Eu não sou competitiva. Ela já ganhou, eu já perdi”. Saí de casa sem levar documentos, roupas, chaves e dinheiro. Só levei o celular. Tentei ligar para minha mãe, mas não consegui enxergar os números do aparelho. Tentei pedir ajuda para minhas amigas do Instagram. Estava bloqueada.
Acordei e anotei: “Pode ficar com ele. Eu não sou competitiva. Ela já ganhou, eu já perdi. Estou bloqueada”.
Lembrei-me de que, na época da faculdade, uma amiga confessou que estava apaixonada pelo meu primeiro namorado. Eu disse: “Pode ficar com ele”. Eles casaram, tiveram dois filhos e três netos. Há alguns anos, uma professora me pediu para orientar um aluno brilhante que havia me escolhido como orientadora. “Pode ficar com ele”, respondi. Mas o mestrando preferiu a minha orientação.
A Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2018, reconheceu a dependência digital como um transtorno mental. De acordo com o Relatório Digital 2024, os brasileiros passam 9 horas e 13 minutos por dia nas redes sociais. É o segundo país do mundo em que os usuários passam mais tempo online, perdendo apenas para a África do Sul. Somos uma nação nomofóbica.
A “nomofobia”, o pânico de ficar desconectado –o termo vem do inglês no mobile phone phobia– pode causar ansiedade, depressão, irritabilidade, problemas no sono, na escola, no trabalho, na família e nas relações sociais.
E não são apenas os jovens e as crianças que estão hiperconectados. Pesquisas recentes mostram que os mais velhos também sentem pânico de ficar sem o celular. Durante a pandemia de Covid-19, passei a dormir e acordar grudada no celular. Cada seguidora no Instagram era uma amiga querida; cada coraçãozinho nas minhas postagens era uma prova de amor. Minha fome de conexão e de reconhecimento era tão insaciável que cheguei a ficar 12 horas respondendo a milhares de comentários que recebi em um textão que publiquei no Instagram no Natal de 2020.
Fiquei à mercê da obsessão por ganhar seguidoras, curtidas, comentários e compartilhamentos. Pior ainda, comecei a me comparar e sentir inveja de mulheres que ganhavam mais amigas e corações.
“A lacradora caça-cliques bombou com uma dancinha ridícula; eu ‘flopei’ com um textão sobre etarismo. Por que o algoritmo não gosta de mim?”
Termo que vem do inglês flop, “flopar” é sinônimo de fracasso nas redes sociais, quando uma publicação não tem engajamento dos seguidores e seguidoras.
Depois do pesadelo, tomei uma decisão importante: só vou gastar, no máximo, uma hora do meu dia no celular. Desperdiço um tempo absurdo no WhatsApp e no Instagram. Basta, vou fazer um detox de celular para acabar com esse vício enlouquecedor. É uma doença. Quero mais tempo para ler, escrever, preparar minhas aulas e palestras e realizar minha pesquisa sobre envelhecimento, autonomia e felicidade.
Em tempos de polarizações virulentas e de lacrações desesperadas, não quero mais ter medo de “flopar” nem posso desperdiçar meu tempo mendigando por amigas e coraçõezinhos. Já perdi. O algoritmo ganhou a guerra. Pode ficar com ele.
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