E se tirassem de você tudo o que construiu? E se, de repente, sua carreira, seus títulos, sua família, sua rotina, suas conquistas deixassem de existir? O que sobraria? Você se reconheceria? Ou perceberia, com um frio na espinha, que não sabe mais quem realmente é?
O documentário da Anitta vai muito além da história de uma cantora pop que saiu da periferia para conquistar o mundo. Ele escancara uma ferida profunda e incômoda: a mulher foi condicionada a se definir pelo que faz, e não pelo que é.
E esse é um problema que não afeta apenas celebridades. Se a Larissa precisou criar a personagem Anitta para sobreviver, quantas de nós também vestimos máscaras todos os dias para sermos aceitas, reconhecidas e validadas?
Anitta performa para as câmeras, mas nós também performamos nos escritórios, nas reuniões, nos casamentos, nas redes sociais e dentro de casa. Criamos versões estratégicas de nós mesmas para atender expectativas: a profissional impecável, a mãe infalível, a esposa ideal, a mulher forte que dá conta de tudo sem fraquejar. Mas a verdade é que, ao longo desse processo, perdemos o contato com a nossa essência e nos tornamos prisioneiras das nossas próprias construções.
No documentário, Larissa diz algo brutal: “Se tirarem tudo o que eu construí, o que sobra? Será que eu ainda tenho valor?” Esse é o pensamento que assombra milhares de mulheres que dedicaram a vida inteira a construir uma identidade baseada no reconhecimento externo. Quando o sucesso, o casamento ou a validação desaparecem, muitas entram em colapso. O motivo? Nunca aprenderam a se ver como suficientes sem precisar provar nada a ninguém.
Mas esse personagem não nasce de uma farsa. Ele nasce de uma estratégia de sobrevivência. Nenhuma mulher escolhe performar por vaidade. Nenhuma mulher constrói uma casca por ego. Nós fazemos isso porque o mundo nos ensinou que ser vulnerável não é seguro, que ser sensível nos coloca em risco, que mostrar nossas dores nos torna fracas.
Criamos personagens porque, em algum momento da vida, ser quem éramos não foi o bastante. Para Larissa, a personagem Anitta se tornou um fenômeno global. Para nós, pode ser o crachá da profissão, o título da empresa, a expectativa da família, o rótulo de mulher bem-sucedida, o peso de sempre dar conta.
Mas e quando esse personagem cansa? Porque ele sempre cansa. Ele sempre sufoca. Ele sempre chega ao ponto de nos engolir. E, então, em algum momento, a gente para e se pergunta: quem sou eu sem essa armadura?
A verdade é que não é fácil abrir mão de um personagem que nos protegeu por tanto tempo. Não é fácil largar a casca que nos deu segurança e nos trouxe até aqui. O medo do que existe por trás dela é real. Mas dentro de cada mulher que performa existe uma menina que só queria ser aceita do jeito que é. Dentro de cada personagem existe uma Larissa que foi silenciada, diminuída, ensinada a ser menos, até o dia em que percebeu que precisava ser mais para sobreviver.
E você? Qual é o nome da sua personagem? Que rótulo você carrega que já não te cabe mais? Se você não fosse essa mulher que construiu, se não fosse a mãe exemplar, a profissional imbatível, a esposa ideal, o que restaria?
Se Anitta arrasta multidões, Larissa só queria ser vista. E não é esse o desejo de todas nós? No fundo, queremos ser amadas pelo que somos e não pelo que conseguimos entregar. Mas como se permitir ser apenas nós mesmas em um mundo que cobra personagens impecáveis?
Talvez a resposta esteja na coragem de renunciar à performance e reencontrar o prazer de simplesmente existir. Talvez esteja no ato de olhar para a menina que existe dentro de nós e dizer: eu te vejo, eu te amo, eu te honro. Você não precisa provar nada. Você já é suficiente.
Nem todas nós somos estrelas pop, mas todas nós, em algum nível, já nos pegamos perguntando: quem eu sou quando ninguém está olhando? E essa é uma pergunta que precisamos ter coragem de responder.